Ana Carolina Guerra da Redação
O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça a cassação da concessão de rádio e TV da Jovem Pan, sob a alegação de que a emissora teria atuado como “principal caixa de ressonância” dos discursos que alimentaram os atos de vandalismo de 8 de janeiro de 2023. O procurador Yuri Corrêa da Luz, autor da ação, afirma que a empresa “incitou a desobediência às leis” e baseia o pedido no artigo 53 do Código Brasileiro de Telecomunicações, legislação editada em 1962 e reformulada durante a ditadura militar em 1967.
Juristas ouvidos pela Gazeta do Povo consideram a fundamentação autoritária. Para o advogado Felippe Monteiro, mestre em Direito por Harvard, não é possível estabelecer vínculo direto entre análises políticas feitas por comentaristas em 2022 e os ataques do 8 de Janeiro.
“A emissora não consegue, em um programa ao vivo, criar amarras e balizas para o comentarista limitar sua idéia sobre determinado fato. Se uma opinião gera dano, cabe responsabilização individual, nunca à empresa jornalística”, disse.
O procurador sustenta que a punição serviria para “traçar uma linha no chão” e evitar condutas semelhantes de outras emissoras no futuro. Monteiro considera o argumento “autoritário e abusivo”.
“Desde quando aceitamos que um membro do Ministério Público defina a fronteira da liberdade de expressão e jornalística?”.
A advogada Katia Magalhães também critica a iniciativa, destacando que o conceito de “desinformação” usado pelo MPF é aberto e subjetivo. “As pessoas não podem ter direitos restringidos com base em um conceito aberto. Isso é típico de regimes autoritários”, afirmou.
O artigo 53 do Código de Telecomunicações prevê hipóteses de abuso como “incitar a desobediência às leis”, “insuflar a indisciplina nas Forças Armadas” ou até “ofender a moral familiar”. Para Magalhães, trata-se de um resquício do regime militar que deveria ser considerado inconstitucional. “É uma norma extremamente aberta, incompatível com a Constituição de 1988”, avaliou.
Monteiro acrescenta que, embora leis antigas ainda sejam aplicadas, não se pode ignorar os princípios basilares da Carta Magna. “Quando há conflito entre norma da década de 1960 e os princípios da liberdade de expressão, deve-se privilegiar a Constituição. O que vemos é o Estado tentando decidir quem pode ou não falar, e esse é um poder que não deveria caber a ele”, disse.
Apesar de os comentaristas citados pelo MPF terem sido desligados da Jovem Pan antes de janeiro de 2023, e de a emissora ter condenado os ataques no próprio dia em que ocorreram, o Ministério Público insiste que a empresa esteve “fortemente engajada” em veicular conteúdo desinformativo sobre o processo eleitoral e as instituições.