Ana Carolina Guerra
O youtuber Felca causou forte repercussão ao denunciar conteúdos de adultização infantil no TikTok e Instagram, envolvendo influenciadores mirins. O vídeo, com quase 50 minutos, já ultrapassou 35 milhões de visualizações, e expôs desde situações constrangedoras envolvendo crianças até suposta venda de conteúdo íntimo, como no caso da jovem Caroliny Dreher. Felca também citou o canal “Bel para Meninas”, de Bel Peres e sua mãe, que, segundo ele, “extrapolava a normalidade” ao forçar a criança a realizar gestos como lamber algo que não gostava. “É assustador… dá um sentimento ruim vendo a Bel sendo, aparentemente, forçada a fazer essas coisas”, comentou o criador de conteúdo.
As consequências foram imediatas: o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, anunciou que vai pautar projetos para proteger crianças nas redes sociais; a deputada Érika Hilton reforçou a denúncia junto à Polícia Federal; e o deputado Nikolas Ferreira declarou que Felca “mexeu no vespeiro”. Em Cuiabá, o vereador Rafael Ranalli apresentou projeto de lei com foco em proibir a produção e divulgação de conteúdos que configurem sexualização ou adultização de crianças e adolescentes, com multas que variam entre R$ 126 mil e R$ 1,26 milhão, além de suspensão de atividades e cassação de alvará. Esse projeto define “sexualização precoce” e “adultização” com precisão, abrangendo tanto contextos artísticos quanto digitais.
A pressão também reacendeu debates sobre o PL 2.628/22, que prevê regulação das redes sociais, incluindo verificação de idade, vinculação de contas aos responsáveis, remoção imediata de conteúdos ilegais, proibição de loot boxes em jogos e multas de até R$ 50 milhões. Especialistas afirmam que regulamentar é fundamental para responsabilizar plataformas que lucram com a exposição infantil e para preservar a infância.
A exposição precoce de menores à erotização, somada à falta de regulação das plataformas digitais, está diretamente ligada ao aumento de casos de violência sexual infantil, uma realidade que, infelizmente, vem se agravando nos últimos anos.
Somente em 2023, o Brasil registrou 83.988 casos de estupro e estupro de vulnerável, o que representa uma média estarrecedora de um caso a cada seis minutos. Entre as vítimas, 60% tinham até 13 anos, revelando que a infância tem sido o principal alvo dessa violência. Em grande parte dos casos, os abusadores não são estranhos: 86,2% dos crimes foram cometidos por familiares ou pessoas próximas, e 61,7% ocorreram dentro da própria casa.
Dados consolidados entre 2015 e 2021 apontam que, nesse período, o país notificou 202.948 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Desse total, 83.571 casos envolveram crianças de até 9 anos, enquanto 119.377 foram contra adolescentes de 10 a 19 anos. O ano de 2021 foi o mais violento, com 35.196 notificações registradas.
O agravamento desse cenário também é visível na evolução das denúncias. Apenas nos quatro primeiros meses de 2023, o canal Disque 100 recebeu mais de 17.500 relatos de violências sexuais físicas, um crescimento de quase 70% em relação ao mesmo período de 2022.
Situação em Mato Grosso
No estado de Mato Grosso, a realidade também é alarmante. Entre 2023 e 2024, os processos judiciais por estupro de vulnerável tiveram um aumento de 21%, saltando de 1.714 para 2.082 casos. Somente nos quatro primeiros meses de 2025, já foram registrados 627 novos processos, indicando que o problema segue em crescimento contínuo.
As comarcas que lideram os números são Cuiabá, com 2.555 casos, seguida por Rondonópolis (1.367), Várzea Grande (1.328), Sinop (1.105) e Primavera do Leste (603). Em Cuiabá, os dados revelam ainda que 73,7% dos casos ocorreram no ambiente doméstico, e em 46% das situações as vítimas foram abusadas mais de uma vez.
Outro dado que chama atenção é o perfil das vítimas. Na capital, 92,6% dos casos envolvem meninas, enquanto menos de 8% das vítimas são do sexo masculino, um retrato do quanto o gênero feminino continua sendo o mais vulnerável à violência sexual infantil.