Ana Carolina Guerra da Redação
A sessão da CPI dos Pancadões dessa quinta-feira (17), na Câmara Municipal de São Paulo, foi marcada por tensão, bate-bocas e acusações de conduta inadequada entre vereadores e o advogado do funkeiro Fábio Gabriel Salvador, conhecido como Salvador da Rima. O artista compareceu à comissão para prestar esclarecimentos, mas a audiência rapidamente se transformou em um embate acalorado entre o presidente da CPI, vereador Rubinho Nunes (União), e a defesa do cantor.
A confusão começou após uma pergunta feita pelo vereador Sargento Nantes (PP). Enquanto Salvador tentava responder, foi interrompido pelo parlamentar. O advogado do funkeiro, José Estêvão Lima, interveio pedindo a palavra, mas teve o pedido negado. “Espero que a gente conduza aqui de forma republicana. No momento, a palavra está comigo”, disse Nantes, encerrando a tentativa de intervenção da defesa.
Em seguida, Lima criticou a linha das perguntas feitas por Rubinho Nunes, acusando o presidente da CPI de abordar aspectos da vida pessoal do artista, o que, segundo ele, fugia do escopo da comissão. Criada para apurar possíveis omissões da Prefeitura na fiscalização de pancadões e festas clandestinas, a CPI tem sido criticada por uma suposta perseguição a artistas do funk.
Rubinho rebateu, alegando que Salvador não era obrigado a responder a perguntas que considerasse inadequadas. O advogado também denunciou que os microfones do funkeiro e dele próprio foram cortados diversas vezes ao longo da audiência, o que o presidente da comissão justificou dizendo que a palavra só poderia ser concedida com base em artigo do regimento interno da Câmara.
Em tom de deboche, Rubinho chegou a ironizar uma das reclamações de Lima, dizendo que ele poderia “ir para a OAB, para a casa da carochinha”. O comentário foi alvo de críticas de outros membros da comissão. A vereadora Amanda Paschoal (PSOL) afirmou que houve “excessos” na condução da sessão e apresentou requerimento — aprovado — para convocar a OAB para as próximas reuniões da CPI.
A situação escalou ainda mais quando Rubinho mencionou um vídeo que circula nas redes sociais, supostamente mostrando Salvador atirando para o alto durante uma caminhada no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, em homenagem a um suposto traficante morto. O funkeiro negou ser ele nas imagens. A defesa ameaçou deixar a audiência após a exibição do vídeo.
A vereadora Luna Zarattini (PT) considerou a atitude do presidente uma “quebra de decoro” e criticou o que chamou de “deboche institucionalizado” por parte de Rubinho. Segundo ela, a CPI tem priorizado depoimentos de artistas do funk em vez de convocar autoridades da Prefeitura, responsáveis pela fiscalização de eventos nas periferias.
Ao final da audiência, Salvador da Rima pediu para cantar uma música. O pedido foi negado, mas o artista entoou, com o microfone cortado, um trecho da canção Rap do Silva, que diz: “Era só mais um Silva que a estrela não brilha, ele era funkeiro, mas era pai de família”. Na semana anterior, o funkeiro MC Ryan também havia encerrado seu depoimento com uma música, Cracolândia.
A audiência também contou com a participação do doutor em funk pela USP, Thiago de Souza, conhecido como Thiagson, que criticou a abordagem da CPI e ironizou a forma como a cultura do funk é tratada. “Trazer ciência para algumas pessoas é como ensinar uma pedra a nadar, não adianta muito”, disse, arrancando reações diversas entre os presentes.
Fora do plenário, Salvador da Rima foi recebido com entusiasmo por jovens que acompanhavam a sessão e posou para fotos nos corredores da Câmara. A cena contrastou com o clima tenso que dominou a audiência, levantando novamente o debate sobre os limites da atuação parlamentar e o papel das CPIs no tratamento de temas ligados à cultura periférica.